Música sobre o toque do ouro

O toque do ouro citado no verso “Quando tudo, tudo, tudo / Que você toca se transforma em ouro, ouro” [When everything, everything, everything / You touch turns to gold, gold] (Gold, Imagine Dragons, 2015), se origina de uma história sobre um personagem da mitologia grega, Rei Midas, que tem muitas versões, com pequenas diferenças entre elas. Na versão contada por Sergei I. Venetsky (1981:174), Midas possuía grandes riquezas e seu passatempo era ficar contando suas moedas de ouro, porém ele nunca estava satisfeito, sempre queria mais. Certa vez, Dionísio, o deus do vinho, passeava com seus adoradores e um deles, o guardião e tutor preferido de Dionísio, Sileno, acabou se perdendo por estar bebendo. Ele foi encontrado por camponeses e levado para o Rei Midas, que o reconheceu e fez uma longa festa em sua homenagem, no décimo dia de festa, Midas o levou de volta para Dionísio, deixando-o tão feliz em rever Sileno, que ofereceu ao rei uma recompensa, um tipo de desejo. Midas então desejou que tudo que ele tocasse se transformasse em ouro puro e brilhante, e seu desejo foi realizado, mas após um tempo transformando tudo em ouro, ele percebeu que isso não era tão bom, pois não conseguia comer ou beber, não conseguia usar suas mãos para outras coisas. Algumas versões da lenda (cf. Bernstein 2004:32) contam que sua filha acabou também virando uma estátua de ouro após receber um abraço de Midas. Tudo isso fez com que ele implorasse para Dionísio que isso acabasse. Dionísio o ouviu e disse  que a água corrente iria desfazer o toque, se ele mergulhasse o que ele havia transformado em ouro, no rio Pactolus, tudo voltaria ao normal. Dizem que o rei, ao agachar para pegar a água do rio, tocou na areia, por isso, ainda hoje, o rio Pactolo corre por um leito de areias douradas (VENABLE, 2011:200).

Fontes:

BERNSTEIN, Peter L. 2004. The power of gold: the history of an obsession. New York: John Wiley & Sons.

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. 

VENETSKY, Sergei I. 1981. The King of Metals and The Metal of Kings. In: Tales About Metals. Moscow: Mir Publishers, pp.173-85.

Músicas com o tema corrida do ouro 

A “corrida do ouro” foi uma expressão criada para simbolizar a efervescência vivida por grupos de pessoas que se deslocam rapidamente para algum lugar onde há notícia da existência de ouro. Como muitas pessoas vão para esse mesmo lugar, no intuito de também encontrar ouro e enriquecer, isso vira uma espécie de corrida, onde todos estão à procura da mesma coisa, ao mesmo tempo, podendo até gerar grandes correntes migratórias (ANÔNIMO, 2023. Corrida do Ouro). Podemos destacar um exemplo do momento no qual uma notícia como essa é espalhada no seguinte verso da música Gold Rush, de Emma Stevens (2014): “Uma cidadezinha ainda acordando / Então eu ouvi alguém gritando eu encontrei ouro” [A one horse town still half asleep / Then I heard someone screaming I’ve struck gold]. No refrão, a letra afirma que nada é mais importante do que uma pessoa amada, nem mesmo uma “corrida do ouro”, pois o eu lírico não precisa dessa riqueza toda, apenas de seu amor.

“Há uma corrida do ouro chegando / Mas estarei deitado ao sol / Porque eu não me importo / Você é tudo que eu preciso, eu juro”

“There′s a gold rush comin / But I′ll be lying in the Sun / Cos I don’t care / You′re all I need I swear” 

(Gold Rush, Emma Stevens, 2014)

Essa música da Emma Stevens, aliás, nos oferece outro exemplo do conceito durkheimiano de fato social. Nas “corridas do ouro”, pessoas são influenciadas por outras pessoas a saírem à procura de ouro, constituindo assim um padrão social, pois a maioria da população participa em um evento grande e coletivo. Na letra de Emma Stevens, o eu lírico desafia, em nome do amor, o fato social que impõe a participação na corrida do ouro. Com isso, apesar de não sermos obrigados a participar dessas corridas e sair à procura de ouro, é como se estivéssemos perdendo a oportunidade de nos enriquecer se não participássemos. 

Esse evento também é conhecido como “febre do ouro”, já que as pessoas aparentavam estar “loucas”, fazendo de tudo para encontrar tal minério, tornando isso um caos (Venetsky, 1981:179-80), como é dito no seguinte verso da mesma música de Emma Stevens (2014): “Tem uma corrida do ouro chegando / O mundo todo está correndo como tolos” [There’s a gold rush comin / The whole world’s runnin’ round like fools]. Além disso, diversas pessoas perderam suas casas, foram atacadas e expulsas, por morarem em territórios que poderiam conter, ou que realmente continham, ouro, como narrado na música Gold Rush, de Death Cab For Cutie (2018), que abre com a frase: “Eles estão cavando por ouro em meu bairro” [They’re digging for gold in my neighborhood]. Aspectos humanos adversos e negativos das “corridas do ouro” aparecem com frequência nas letras de música, como nas músicas (Gold Rush, de Taylor Swift (2020) – “Todo mundo quer você / Mas eu não gosto de uma corrida do ouro” [Everybody wants you / But I don’t like a gold rush] – e Married in a Gold Rush, de Vampire Weekend (feat. Danielle Haim, 2019) – “Nós nos casamos em uma corrida do ouro / E a visão do ouro sempre me trará dor” [We got married in a gold rush / And the sight of gold will always bring me pain].

Essas corridas aconteceram em diversos lugares do mundo. A primeira grande “corrida do ouro” aconteceu na Califórnia, em 24 de janeiro de 1848, quando um homem chamado James W. Marshall, junto ao pioneiro John Sutter, encontraram pepitas de ouro no leito do rio Sutter ‘s Mill, próximo de Coloma, e essa notícia se espalhou pelos jornais, atraindo diversas pessoas ao local. Algumas das primeiras pessoas a chegarem, foram os próprios residentes da Califórnia, eles conseguiram encontrar bastante ouro e fizeram milhares de dólares. No início de 1849, as notícias já tinham sido espalhadas mundialmente e estrangeiros de diversos países haviam chegado à Califórnia, eles foram chamados de forty-niners (os quarenta e nove). Acredita-se que em pouco anos, já haviam por volta de 500.000 imigrantes, pois além das pessoas que iam à procura de ouro, também tinham os comerciantes e vendedores de suprimentos, para os garimpeiros. E a partir disso, nesse período tiveram diversas criações, uma delas foi a calça jeans, criada por Levi Strauss, no intuito de ser uma peça resistente e com bolsos, para facilitar o trabalho dos garimpeiros. Foi daí que surgiu a marca Levi ‘s (VENABLE, 2011:48-51). 

Figura 6 – Criação de navios “clipper” durante a corrida do ouro: A imagem apresenta um tipo de propaganda sobre um novo navio, Clipper, super veloz, criado durante a corrida do ouro de 1849, na Califórnia. Na imagem também podemos ver garimpeiros cavando atrás de ouro. Fonte: Anônimo (2023. Gold rush)

A “corrida do ouro” no Brasil foi algo muito importante, ocorreu em 1695, ela proporcionou situações que antecederam a independência do país. A população da colônia aumentou muito no final do século XVIII e com a exploração territorial à procura desses minérios, descobriram que ele se estendia para além dos limites do tratado de tordesilhas. Houve uma transferência da capital, de Salvador para o Rio de Janeiro e a criação de novas capitanias, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, sendo as regiões exploradas por Portugal, por terem ouro (ANÔNIMO, 2023. Ciclo do ouro).

Fonte:

ANÔNIMO. 2023. Ciclo do ouro. Wikipedia. Acessível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ciclo_do_ouro 

ANÔNIMO. 2023.Gold rush. Wikipedia. Acessível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Gold_rush

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. 

VENETSKY, Sergei I. 1981. The King of Metals and The Metal of Kings. In: Tales About Metals. Moscow: Mir Publishers, pp.173-85.

Músicas com ouro, falando onde ele pode ser encontrado

O ouro é um mineral raro, está espalhado por toda a crosta terrestre em baixíssima concentração, de uma maneira não uniforme, com concentrações em algumas regiões. Nas águas dos oceanos sua concentração é mais baixa ainda, porém, acredita-se ter cerca de 79 milhões de toneladas lá. Sua exploração é economicamente inviável. No solo, na maioria das vezes ele é encontrado em estado nativo (puro), como, flocos livres, grãos ou pepitas maiores. Ou pode ser encontrado em pequenas quantidades em alguns minerais, rochas, veias e depósitos aluviais, sendo eles: argila solta, lodo, areia ou cascalho, que foram depositados pela água corrente em um rio. Isso pode ser reconhecido no verso “Não há ouro neste rio” [there ain’t no gold in this river] (Easy on Me, Adele, 2021). Ele também pode ser encontrado em uma mistura sólida (liga), com a prata ou o cobre, por exemplo (KREBS, 2006:166).

A pirita é um exemplo de minério onde o ouro pode ser encontrado, ela é composta por ferro e enxofre (dissulfeto de ferro). É conhecida como o ouro dos tolos, pois já foi confundida com o ouro por possuir uma aparência igual a dele, tendo um brilho metálico e cor amarelo-dourada. E por sua ocorrência em veios de quartzo e rochas sedimentares ou metamórficas que também podem conter ouro. 

Figura 5 – Pirita: O brilho metálico da pirita e sua tonalidade amarelo-latão costumam ser confundidas com o ouro, dando assim, um nome apelido de “ouro dos tolos”. A pirita às vezes é encontrada associada a pequenas quantidades de ouro, uma proporção substancial de ouro, “ouro invisível” é incorporado à ela. Fonte: Anônimo (2023. Pirita)

A expressão ouro de tolo pode simbolizar algo que é considerado um tesouro, mas na verdade é algo inútil (VENABLE, 2011:203), ela é encontrada no verso “Me apaixonando por você / Ouro de tolo [Falling for you / Fool’s gold] (Fool’s Gold, One Direction, 2014), que está simbolizando um tipo de armadilha, onde o eu lírico pensou que havia encontrado alguém extraordinário, mas essa pessoa só estava o usando e enganando. Além do ouro, na perita também pode se encontrar outros metais, como o arsênio, o níquel, o cobalto e o cobre. Sua extração pode ser prejudicial ao meio ambiente, poluindo o solo, a água e o ar, podendo causar chuva ácida. Quando é golpeada por um martelo, ela solta faíscas, por isso, ela é usada em armas de fogo, como, por exemplo, a wheellock (ANÔNIMO, 2023. Pirita).

E existem as minas de ouro, que são os locais onde é encontrado e extraído uma grande quantidade de ouro, se localiza em cavernas, grutas, em minas com finalidade de extração de outros minerais e matérias-primas, ou em depósitos de aluvião. Existem dois tipos principais de minas, as subterrâneas e as a céu aberto (VENABLE, 2011:201). Esse modo de extração é citado no verso “Aquela mina de ouro mudou você” [That mine gold changed you] (The Gold, Manchester Orchestra, 2017), e está simbolizando as dificuldades de se trabalhar em uma mina de ouro.

Fonte:

ANÔNIMO. 2023. Pirita. Wikipedia. Acessível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Pirita 

KREBS, Robert E. 2006. Gold. In: The history and use of our Earth’s chemical elements. Westport: Greenwood Press, pp.165-8.

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. 

Músicas sobre o peso e a densidade do ouro

Algumas dessas músicas possuem versos como: “É o seu amor que é pesado em ouro” [It’s your love that is weighted in gold] (Gold, Loi, 2022); “Vale seu peso em ouro” [Worth your weight in gold] (Gold, Tolan Shaw, 2019); “Querida, seu amor vale mais que seu peso em ouro” [Darling, your love is more than worth its weight in gold] (Say You Won’t Let Go, James Arthur, 2016). Onde usam o termo “peso em ouro”, pois esse é um metal muito raro, então quanto maior sua quantidade, maior será seu peso e seu valor, então, representa que a coisa, ou a pessoa, vale mais que esse peso, valendo mais do que o ouro em si, sendo algo precioso.

O ouro é um metal muito denso e pesado, sua densidade é a sua massa, que corresponde a 19,3 g/cm3. E esse verso da música é sobre isso, “O ouro afunda no mar” (O Ouro e a Madeira, Eduardo Gentil, 1999), pois, por ser vinte vezes mais denso que a água, o ouro afunda (NEWTON, 2010:227). E sendo mais denso que outros minerais formadores de rochas comuns, as correntes dos rios acabam concentrando as partículas de ouro, formando pequenos grãos e produzindo zonas de aluvião com quantidades maiores de ouro (ARNDT et al., 2015:140).

O World Gold Council (organização de desenvolvimento de mercado para a indústria do ouro) estima que foram mineradas cerca de 125 mil toneladas de ouro durante a história (NEWTON, 2010:230). Cálculos sugerem que todo esse ouro já explorado, poderia caber em uma sala de aproximadamente 18 metros quadrados (GRAY, 2009:181).

Como outros metais preciosos, o peso do ouro é medido internacionalmente em onça troy. Uma onça troy equivale a 31,1034768 gramas. A onça troy é aproximadamente 9,7% mais pesada que a onça tradicional, avoirdupois. Essa medida se originou na França, era usada na popular feira medieval localizada na região de Troyes, e é daí que surge o nome (VENABLE, 2011:43).

O peso da maior pepita de ouro do mundo é de 78 kg, foi encontrada em Moliagul, Victoria, Austrália, em 1869, por John Deason e Richard Oates, e é chamada de Welcome Stranger (VENABLE, 2011:118).

Figura – Maior pepita de ouro do mundo: Podemos ver na imagem o tamanho da pepita de ouro comparada com o homem. De acordo com a BBC News Brasil, essa é uma réplica da pepita encontrada e a foto foi tirada no local onde ela foi encontrada. Fonte: O’SHEA (2019)

Fonte:

ARNDT, Nicholas; KESLER, Stephen; GANINO, Clément et al. 2015. Gold placers. In: Metals and society: an introduction to economic geology. Cham: Springer, pp.140-7.

GRAY, Theodore. 2009. Gold. In: The elements: a visual exploration of every known atom in the universe. New York: Black Dog & Leventhal Publishers, pp.180-3.

O’SHEA, Johnny. 2019. A incrível história de ‘Welcome Stranger’, maior pepita de ouro já encontrada. BBC News Brasil. Acessível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47378401

NEWTON, David E. 2010. Chemical elements. Detroit: Gale.

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. 

Músicas sobre a resistência e durabilidade do ouro

Nas músicas são usadas metáforas onde o ouro seria algo resistente, com uma boa durabilidade ou difícil de destruir, como no verso da música “Pois você disse que éramos ouro” [‘Cuz you said we were gold] (Gold, Sebastian feat. Bright Sparks, 2016), onde o eu lírico pensou que seu relacionamento seria algo que duraria por um bom tempo. O ouro realmente é resistente, tem grande resistência a diversos ácidos, diferente dos outros metais. Ele também é um dos metais nobres, que não reagem com o oxigênio, ou seja, ele não oxida, não corrói nem muda de cor. Então ele não tem uma validade e não vai mudando com o tempo (VENABLE, 2011:XVII). Por não oxidar, se tornando incorruptível, o ouro possui a simbologia de perfeição (ZORACH; PHILLIPS JR., 2016:31), citada no verso “Muleque de ouro não chora não” (Muleque de Ouro, Number Teddie, 2020), onde fala de um muleque perfeito e inabalável.

Ele é resistente à maioria dos ácidos, embora se dissolva em água régia (uma mistura de ácido nítrico e ácido clorídrico), porém, em apenas ácido nítrico ele é insolúvel por ser um metal nobre. Assim, é usado esse ácido para confirmar a presença de ouro em substâncias metálicas e separá-lo, já que outros metais, com exceção dos nobres, são solúveis em ácido nítrico (ENGHAG, 2004:117). 

Por outro lado, ele é o metal mais maleável e dúctil, podendo arranhar ou amassar facilmente. Um exemplo disso está sendo citado no verso “Eu esmago meu coração partido de ouro” [I smash my broken heart of gold] (Broken Heart of Gold, One Ok Rock, 2022), com esse sentido de ser algo possível de amassar facilmente. Uma curiosidade é que uma única onça de ouro (28,3495 gramas) pode ser transformada em uma folha de 91,44 metros quadrados (McDOWELL, 2008:40).

Fontes:

ENGHAG, Per. 2004. Gold. In: Encyclopedia of the elements: technical data, history, processing, applications. Weinheim: Wiley-VCH, pp.99-121.

McDOWELL, Julie. 2008. Gold. In: Metals. New York: Chelsea House, pp.40-1.

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. 

ZORACH, Rebecca; PHILLIPS JR, Michael W. 2016. Gold: nature and culture. London: Reaktion Books.

Músicas falando sobre joias de ouro

Como já vimos, o ouro é usado em diversas indústrias, uma delas é de joias, pois ele é um metal muito bonito de coloração amarelada brilhante, e por ser resistente à oxidação, possui uma durabilidade e permanece assim, com essa beleza. Também já vimos que ele é um metal maleável, ou seja, é de fácil manuseamento. Por ser muito macio, o ouro é misturado com outros metais para ganhar mais resistência, já que na forma pura ele é fácil de arranhar ou amassar. É aí que surge a medida quilate, que é usada para representar a pureza do ouro – se ele está sendo usado sozinho, ou misturado com algum outro metal.

O quilate é medido por meio da divisão do peso total de uma peça de ouro em 24 partes. Dessa divisão as partes que são de ouro representam sua pureza. Assim, por exemplo, se 16 partes são de ouro e as outras 8 partes são de outros metais, essa é uma peça de 16 quilates (16k). Quanto mais quilates, mais pura é a peça. E para saber a pureza em porcentagem, divide-se o quilate da peça por 24, e multiplica-se o resultado por 100. Assim, por exemplo, um anel de ouro 18 quilates será 75% puro. Com o acréscimo de outros metais, o ouro fica com tonalidades diferentes. Por exemplo, em jóias de 18 quilates, o ouro costuma ser misturado com cobre, ficando com um tom de rosa. Ou, quando o ouro é misturado com a prata, ele fica com um tom mais pálido, chamado ouro branco  (McDOWELL, 2008:41).

As alianças são anéis que simbolizam o compromisso e a união entre duas pessoas. Na música Ouro ou Prata, de Vitor Maia, por exemplo, o verso “Ouro ou prata, o que o seu dedo vai querer?” (Ouro ou Prata, Vitor Maia, 2017), sugere uma proposta de casamento. As alianças de casamento possuem uma história e significado. As sociedades egípcia, grega e romana, acreditavam que anéis possuíam uma conexão com a identidade, sendo um tipo de anel amuleto, geralmente feito de ouro. Alguns desses anéis amuletos representavam o amor e a fertilidade, motivo pelo qual o anel começou a ter um papel no casamento, sendo associado ao anel de ouro, simbolizando o casamento como um vínculo pessoal e arranjo econômico. Essa prática tem origem romana (ZORACH; PHILLIPS JR., 2016:44-5).

O ouro é utilizado em joias por ser um metal muito bonito, já que o propósito delas é realçar a beleza de quem as usa, e por causa do valor do ouro, elas também simbolizam riqueza e poder (NEWTON, 2010:223; YORIFUJI, 2013:150). Um bom exemplo disso são os rappers, que costumam usar bastante acessórios de ouro, como anéis, braceletes e cordões (o uso desses acessórios são chamados pelo termo, estilo bling, por serem brilhantes). Além disso, eles também utilizam esses acessórios como um meio de ostentar suas riquezas e chamar atenção do público, tanto para suas músicas, quanto para promover produtos de marcas famosas, que os patrocinam. Assim, criando uma individualidade e simbolizando suas lutas, conquistas e poder, pois, apenas a classe elitista conseguia conquistar essa riqueza (JORDÃO, 2009:90-9; FERRARI, 2017:25-40). 


Figura – Rapper com acessórios de ouro: Como explica Ferrari (2017:40), as joias personalizadas estão presentes em anéis, correntes grossas utilizadas por fora da jaqueta e pulseiras. Visto como um dos rappers mais bem vestidos, LL não deixava de ousar em seus acessórios, uma vez que suas roupas eram em grande parte combinadas. Fonte: FERRARI (2017:39, Figura 19)

O trecho da música a seguir, na qual Lil Peep fala de sua dor e de sua riqueza através de “correntes de ouro”, é um exemplo desse tipo de agência do ouro: “Quatro correntes de ouro, dei duas aos meus irmãos, a fama traz dor, mas a dor faz dinheiro” [Four gold chains, gave two to my brother / fame bring pain, but the pain make money] (4 Gold Chains, Lil Peep feat. Clams Casino, 2018).

Fontes:

FERRARI, Amanda Pestilo. 2017. HIP HOP – Mais que um estilo musical. Em: Estética e moda: manifestações na periferia da cidade de São Paulo. Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes, São Paulo, pp.25-40.

JORDÃO, Claudia. 2009. Hip-Hop Chic. Istoé 32(2065):90-9.

McDOWELL, Julie. 2008. Gold. In: Metals. New York: Chelsea House, pp.40-1.

NEWTON, David E. 2010. Chemical elements. Detroit: Gale.

ZORACH, Rebecca; PHILLIPS JR, Michael W. 2016. Gold: nature and culture. London: Reaktion Books.

 

Músicas com ouro representando riqueza, algo valioso, caro e/ou raro

Como já vimos, o ouro é um metal muito valioso por diversos motivos. Ele é um metal bastante raro: não conseguimos produzi-lo, e ele é difícil de ser encontrado, pois está espalhado pela crosta terrestre em baixíssima concentração (NEWTON, 2010:228). É isso que o verso “Vai ver que a vida vale ouro” (Vale Ouro, Cynthia Luz part. Budah, Olívia e Mirele, 2022) quer dizer: a vida é uma oportunidade única, sendo assim, rara.

Dentre as características que contribuem para seu valor, podemos dizer que o ouro possui uma beleza única, alta durabilidade, é resistente à corrosão (fazendo com que sua beleza não seja afetada), é um metal maleável e dúctil (tornando-se de fácil manuseio) e possui a terceira maior condutividade elétrica da tabela periódica. Sendo assim, ele possui diversas utilidades e aplicações industriais, como na joalheria ou em dispositivos eletrônicos (McDOWELL, 2008:40-1). É esse valor que as letras a seguir estão representando, ao falarem como algo simples pode se tornar valioso: “Tem pessoas por aí transformando música em ouro” [there’s people out there turning music into gold] (Gold, John Stewart, 1979); “Yeah, isso pode ser cascalho, mas parece ouro” [Yeah, it might be gravel, but it looks like gold] (Gold, Dierks Bentley, 2022). 

De acordo com o texto As Regras do Método Sociológico, de Émile Durkheim (2007), “fatos sociais” são, num sentido geral, fenômenos que possuem alguma relevância social. Mas nem todos os fenômenos socialmente relevantes são assim denominados por Durkheim, pois isso faria dos fatos sociais algo muito abrangente e sem distinção, e a sociologia poderia ser, assim, confundida com a psicologia ou biologia, por exemplo. 

Então, podemos definir fatos sociais como: formas de agir, pensar e sentir que se manifestam como deveres ou costumes exteriores a nós, como regras que nos ensinaram a seguir. São práticas coletivas, e não individuais, e que já estavam aqui antes de existirmos. Eles se tornam reconhecíveis na forma de coerção, pois apesar de muitas vezes não sermos obrigados a seguir essas “regras”, se não as seguirmos, não conseguiremos viver em sociedade, sendo, portanto, impossível agir de outro modo. Ou, como perguntou o próprio Durkheim (2007:3): “não somos obrigados a falar nossa língua materna, mas se não a usarmos, como vamos nos comunicar?”. 

No caso do valor simbólico do ouro, por exemplo, fomos ensinados que ele não é simplesmente uma pedra, mas sim, um metal muito valioso, por causa de suas características e qualidades (por exemplo, sua beleza, raridade e durabilidade). Então não podemos ignorar esse valor, sob a pena de sermos criticados, repreendidos ou apenas mal vistos. Precisamos, assim, seguir um padrão coletivo, instituído, que não depende de nós, de reconhecer no ouro algo de muito valioso. 

Desde a antiguidade, a humanidade valorizou o ouro, fazendo dele um símbolo de riqueza (VENABLE. 2011:XVII). Ou seja, ele é caro, muito cobiçado e ostentado, como podemos ver em letras que enfatizam o seu preço – “Você é boa como ouro / Troco todo o meu dinheiro pelo seu ouro” [Trade you all my money for your gold] (Gold, Tolan Shaw, 2019), e “Você vai me comprar uma casa de ouro?” [Will you by me a house of gold?] (House of Gold, Twenty One Pilots, 2011) -, a riqueza – “Quatro correntes de ouro, dei duas aos meus irmãos / Fama traz dor, mas a dor dá dinheiro” [Four gold chains, gave two to my brother / fame bring pain, but the pain make money] (4 Gold Chains, Lil Peep feat. Clams Casino, 2018), e  “Elas se interessou no futuro milionário” (Ouro, Krawk part. Mc Pedrinho, 2019) – e a ostentação – “Tô cheio de ouro” (Ouro, Krawk part. Mc Pedrinho, 2019).

O ouro também já foi utilizado como moeda de troca (padrão monetário), a partir do século VI a.C. (JUNQUEIRA et al., 2012:45). Porém, hoje em dia ele é apenas utilizado como reserva de valor para os países, servindo como garantia e medida de segurança, caso ocorra alguma guerra, ou para superar alguma crise econômica (VENABLE, 2011:118). 

Fontes:

DURKHEIM, Émile. 2007. As Regras Do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, pp.XXXIII-13

JUNQUEIRA, Jéssica S. S; SILVA, Priscila P; GUERRA, Wendell. 2012. Ouro. Química Nova na Escola 34:45-46

McDOWELL, Julie. 2008. Gold. In: Metals. New York: Chelsea House, pp.40-1.

NEWTON, David E. 2010. Chemical elements. Detroit: Gale.

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. 

JUNQUEIRA, Jéssica S. S; SILVA, Priscila P; GUERRA, Wendell. 2012. Ouro. Química Nova na Escola 34:45-46

Músicas com ouro falando de sua beleza, cor e brilho 

O ouro se destaca dos outros metais por ter uma coloração muito bonita, sendo dourado e brilhante, enquanto a maioria dos outros metais é de cor prateada. Em uma das músicas analisadas ele é mencionado assim: “Amarelo lembra ouro” (Novinha Você é Uma Flor; Mcs Thin e Alexandre, 2018). Ele também é resistente à oxidação, pois é um metal nobre e não reage com o oxigênio, portanto não perde o seu brilho (VENABLE, 2011:XVIII). Isso o distingue do cobre, por exemplo, que também é amarelo-avermelhado e brilhante, mas que com o tempo vai se desgastando e perdendo esse brilho, ficando esverdeado. Uma curiosidade é que a Estátua da Liberdade foi feita de cobre, mas muitos não sabem disso, pois hoje em dia ela possui uma cor esverdeada por causa da oxidação (NEWTON, 2010:151).
Figura 01 – Comparação entre ouro e cobre: Enquanto a Estátua da Liberdade rapidamente se oxidou (adquirindo um tom esverdeado) por ter sido feita de cobre, o sarcófago de Tutancâmon preservou muito melhor seu brilho dourado. Fonte: Newton (2010:151 e 225)

Esse brilho é dado pelas partículas de luz (fótons) absorvidas e refletidas pelo ouro. Em qualquer metal, o brilho gerado pela exposição à luz ocorre quando o fóton atinge o átomo: quando isso acontece, os elétrons absorvem a energia e saltam para um nível de energia maior, logo depois retornando ao seu nível original, e assim liberando essa energia absorvida, dando cor ao material. No caso do ouro, em função do grande tamanho de seu núcleo (79 prótons), seus elétrons se movem muito rapidamente (mais do que a metade da velocidade da luz; WALKER, 2006). Isso faz com que, devido a um efeito relativístico, os elétrons ganhem massa, e com isso se aproximem do núcleo. Isso aumenta a distância entre a última camada eletrônica ocupada do átomo de ouro, e a de nível energético superior, aumentando assim a frequência da luz absorvida pelo átomo. Assim, o átomo de ouro absorve as ondas de luz azul e violeta e reflete todas as outras, sendo as principais delas vermelho e verde, que juntas formam o amarelo (SCARINCI e MARINELI, 2014:12).

Figura 02 – Cores primárias de Emissão: Como explicam Scarinci e Marinelli (2014:5), essa figura mostra as 3 cores primárias da luz (o vermelho, o azul e o verde), as resultantes das misturas das cores 2 a 2, chamadas de cores secundárias da luz (o amarelo, o ciano e o magenta), e a resultante da mistura das 3 cores primárias, que é o branco. Metais normalmente emitem igualmente as 3 cores primárias, que então resultam em um brilho esbranquiçado. O ouro, porém, devido aos efeitos relativísticos mencionados, emite a cor azul em menor intensidade, resultando em um brilho mais amarelado. Fonte: Scarinci e Marinelli (2014:5, Figura 4)

“Ouro na ponta dos seus dedos / Pontas dos dedos contra minha bochecha / Folha de ouro em seus lábios / Beije-me até que eu não possa falar” 

“Gold on your fingertips / Fingertips against my cheek / Gold leaf across your lips / Kiss me until I can’t speak”


(Hostage, Billie Eilish, 2017)

Fonte:

JUNQUEIRA, Jéssica S. S; SILVA, Priscila P; GUERRA, Wendell. 2012. Ouro. Química Nova na Escola 34:45-46.

McDOWELL, Julie. 2008. Gold. In: Metals. New York: Chelsea House, pp.40-1.

NEWTON, David E. 2010. Chemical elements. Detroit: Gale.

RSC. s.d. Gold. Royal Society of Chemistry. Acessível em: https://www.rsc.org/periodic-table/element/79/gold

SCARINCI, Anne L.; MARINELI, Fábio. 2014. O modelo ondulatório da luz como ferramenta para explicar as causas da cor. Revista Brasileira de Ensino de Física 36(1):1309.

STRATHERN, Paul. 2002. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

VENABLE, Shannon L. 2011. Gold: a cultural encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO.

WALKER, John. 2006. What gives gold that mellow glow? Fourmilab. Acessível em: https://www.fourmilab.ch/documents/golden_glow/   

Fichamento – O lugar da química na escola: movimentos constitutivos da disciplina no cotidiano escolar (Maria Inês Petrucci Rosa e Andréa Helena Tosta 2005)

  • No ambiente escolar a Química é tratada como um conjunto de atividades, materiais, ações pedagógicas e documentos, recontextualizados e hibridizados, que  os professores e alunos reconhecem como a área relacionada com a ciência Química (Rosa e Tosta, 2005:254). 
  • Cada disciplina possui uma história, que além de contextualizar os assuntos e conhecimentos que são impostos no currículo escolar, também nos ajuda a entender o motivo dela ter se transformado em uma disciplina acadêmica (Rosa e Tosta, 2005:254).
  • No Brasil, o primeiro registro de ensino da Química foi no século XIX. Chassot traz elementos importantes para uma análise sócio-histórica dessa disciplina. Segundo ele, a Química era dedicada a aspectos utilitários e cotidianos, por exemplo, para o conhecimento das minas. Chassot também cita a contribuição de Antonio de Araújo e Azevedo (ilustre colaborador do Rei), que deixou documentos considerados avançados para a época, onde relacionava e aproximava, a Química e a Medicina (Rosa e Tosta, 2005:255).
  • No ano de 1918, foi criado o Instituto de Química no Rio de Janeiro, junto com o curso de Química na Escola Politécnica de São Paulo, assim, a pesquisa científica começou a ser introduzida. “A primeira instituição fundada com objetivos claros de formar químicos cientificamente preparados foi o Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934” (Rosa e Tosta, 2005:255).  
  • Com a reforma de Francisco Campo, em 1931, a disciplina de Química começa a ser ministrada com mais frequência no currículo do Ensino Secundário. Porém, sendo mais voltada para o aprendizado de temas específicos, atraindo assim, maior interesse científico e relacionando isso com o cotidiano dos estudantes (Rosa e Tosta, 2005:256).
  • Na década de 1970, essa combinação entre o científico e o cotidiano foi se desfazendo com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (5.692/71), pois, com a criação do ensino de 2º grau de química, essa disciplina acabou se tornando mais técnico-científica (Rosa e Tosta, 2005:256).
  • A Química está muito presente em nossas vidas, por exemplo, nos alimentos, nos medicamentos, no combustível, entre diversas outras coisas, e isso deve ser reconhecido. A sobrevivência do ser humano atualmente depende do conhecimento dessa disciplina, para que possamos saber utilizar esses materiais de forma adequada (Rosa e Tosta, 2005:256).
  • Escolas e grupos disciplinares podem interpretar partes dos documentos oficiais de formas diferentes, podendo ter até visões contrárias ao currículo nacional. Então, Rosa e Tosta, se propuseram a investigar o lugar da Química nas escolas (Rosa e Tosta, 2005:256).

A constituição sócio-histórica da disciplina Química e a delimitação de seu lugar na escola

  • Quando pensamos no lugar da Química nas escolas, pensamos em um laboratório, pois esse é um dos lugares que marca o trabalho de “fazer” e “pensar” de um químico, suas atividades práticas e teóricas (Rosa e Tosta, 2005:257).
  • Nas escolas são feitos discursos hibridizados e recontextualizados, a disciplina Química não é tratada ou ensinada como a ciência química. Ela possui uma referência de lugar diferente, sendo, não no laboratório, mas sim, na natureza, na cozinha e nos próprios seres vivos. A disciplina vai além de conceitos científicos, ela é valorizada como um todo, pois “a Química está em tudo”, e isso pode confundir os estudantes, afinal, a palavra Química se refere a uma coisa ou a um conhecimento?  (Rosa e Tosta, 2005:257).
  • Então, é possível observarmos que a Química é dividida entre o científico e o utilitário  (Rosa e Tosta, 2005:258)

A metodologia da pesquisa

  • Foram coletados dados sobre o ensino da disciplina Química em quatro escolas de nível médio (três do sistema público estadual e uma fundação), frequentadas pelos alunos estagiários, licenciandos em Química. Todas as quatro escolas possuem laboratórios, mas apenas três possuem bibliotecas  (Rosa e Tosta, 2005:258).
  • Os alunos estagiários foram às quatro instituições fazendo a seguinte pergunta para  as pessoas: “Qual é o lugar da Química na escola?”. Eles obtiveram 75 respostas, que foram lidas e discutidas (Rosa e Tosta, 2005:258). 
  • Algumas das respostas encontradas diziam que a Química pode ser relacionada com as outras disciplinas também, por exemplo, a física. Ou seja, a Química não é encontrada apenas nos laboratórios, e a interdisciplinaridade é algo presente no ambiente educacional, ela estabelece uma ligação entre os conhecimentos, complementando-os  (Rosa e Tosta, 2005:258).
  • Porém, a interdisciplinaridade não pode ser vista como um conhecimento generalista, pois não conseguiríamos nos aprofundar adequadamente nos conteúdos de cada disciplina (Rosa e Tosta, 2005:259).
  • Também foram obtidas respostas dizendo que a Química está em todos os lugares, e foi dado os exemplos, como: na luz – que é constituída pela corrente elétrica, uma combinação de prótons e elétrons; na cantina – pois os lanches são compostos por substâncias e vitaminas; quando o gelo derrete, ou quando ferve a água. Sendo assim, a Química está sendo caracterizada tanto pelo conhecimento científico, quanto por fenômenos cotidianos (Rosa e Tosta, 2005:259).
  • Podemos perceber a partir dessas respostas que o conceito de Química já está sendo modificado, pois as pessoa estão utilizando palavras “científicas” (elétrons, prótons e substâncias) para um contexto diferente na sala de aula, tornando da Química um objeto, já que ela é relacionada com comidas, produtos de limpeza, uma borracha  ou caneta, por exemplo. “Essa visão utilitarista da Química se sobrepõe à sua faceta teórica, enquanto conhecimento” (Rosa e Tosta, 2005:259-60).
  • Como dito antes, a Química  se relaciona com a teoria e a prática, mas através das análises da pesquisa, a parte prática parece implícita, já que o laboratório, o lugar adequado do estudo de química, é a sala de aula utilizada por todos os professores, de diversas disciplinas. Ou seja, a Química precisa de um espaço adequado para realmente existir e ser estudada, e o laboratório é “o lugar que explica a existência social do químico” (Rosa e Tosta, 2005:260).
  • Então, “ao identificar o laboratório como lugar da Química na escola, essa marca científica emerge de forma clara, marcando também a estabilização da disciplina no currículo de Ensino Médio” (Rosa e Tosta, 2005:260).
  • Nas escolas a Química é ensinada como “sinônimo” da palavra “tudo”, pois pensar que ela está em tudo dá uma relevância maior para a disciplina e seu lugar na atualidade  (Rosa e Tosta, 2005:260).

Algumas palavras (in)conclusivas

  • Nesse trabalho, Rosa e Tosta, dizem um pouco sobre o contexto sócio-histórico da disciplina Química no currículo da escola básica brasileira e procuram respostas para a pergunta “Qual é o lugar da Química na escola?” (Rosa e Tosta, 2005:260-1).  
  • Contudo, “ao entendermos o lugar como aquilo que constitui o sujeito e lhe dá existência social”, o lugar da Química nas escolas é ocupado por objetos, ora relacionados com  o cotidiano, ora com a ciência, ou seja, o utilitário e o científico  (Rosa e Tosta, 2005:261).

ROSA, Maria Inês Petrucci; TOSTA, Andréa Helena. 2005. O lugar da química na escola: movimentos constitutivos da disciplina no cotidiano escolar. Ciência & Educação, v. 11, n. 2, pp. 253-62.

FICHAMENTO – “O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química” de Paul Strathern 

Capítulo 09 – “O grande mistério do flogístico” (pg.134-147)

  • Os praticantes da química estavam descobrindo diversos elementos e compostos, a química estava se tornando plena de possibilidades. Utilizada de maneira racional e metódica, com resultados de experimentos complexos. Porém, a ciência em desenvolvimento carecia de princípios unificadores. (Strathern 2002:134);
  • O mistério da combustão foi objeto de especulação filosófica desde muitos anos atrás. Foi só na metade do séc XVII que a explicação do fogo foi proposta. “O homem que produziu a ideia foi uma das mais notáveis fraudes na história da ciência. Johann Becher nasceu em 1635 na cidadezinha alemã de Speyer, Reno”(Strathern 2002:134);
  • Becher era um grande capitalista, e com isso apresentou na época para a Assembléia holandesa um experimento envolvendo areia e uma pequena quantidade de prata, que de alguma forma conseguiria produzir ouro. Conseguindo a aprovação da Assembleia, Becher pegou a prata necessária para iniciar o experimento e fugiu. (Strathern 2002:135);
  • As obras dele falam por si, a “Physica subterranea” por exemplo, apresenta sua teoria própria dos elementos que teria grande efeito na química futuramente. Ele analisava dois grandes químicos de seu tempo, Helmont e Boyle. “Em particular, observou que Boyle não conseguiu produzir uma teoria verdadeiramente científica dos elementos. As ideias de Boyle sobre elementos indivisíveis e compostos podem ter sido extraordinariamente proféticas, mas de fato careciam de base experimental convincente.” (Strathern 2002:135);
  • Os três elementos de Becher são um desenvolvimento reconhecível da teoria do mercúrio, sal e enxofre. Mas os tempos estavam maduros para uma ideia como essa. Finalmente emergiu um princípio compreensível para explicar uma das principais transformações que afetaram a matéria, a combustão. (Strathern 2002:136);
  • Segundo Becher: “Os químicos são uma estranha classe de mortais, impelidos por um impulso quase insano a procurar seus prazeres em meio a fumaça e vapor, fuligem e chamas, venenos e pobreza, e no entanto, entre todos esses males, tenho a impressão de viver tão agradavelmente que preferiria morrer a trocar de lugar com o rei da Pérsia.” (Strathern 2002:136);
  • Becher foi mentor de Georg Ernst Stahl, e como ele, era meio esquisito. Foi atraído pela obra “Physica subterranea” por seu tema central, a mineração. Assim utilizou dos princípios dessa mineração, e desenvolveu a ampliação de “terra pinguis” que além da concepção original de Becher, Stahl deu o novo nome de “flogístico”. (Strathern 2002:137);
  • A teoria do flogisto parecia explicar os mistérios da transformação material. Sendo questionado, Stahl reconheceu que a existência do ar era o ingrediente essencial na combustão e enferrujamento. Para ele, o ar servia como transportador do flogístico de uma substância para outra. (Strathern 2002:137);
  • Seu rival Hermann Boerhaave, professor de medicina em Leyden, o questionou: “Se enferrujamento era o mesmo que combustão, indagou Boerhaave, por que nenhuma chama ou calor acompanhava esse processo?”. Inspirando assim Stahl a uma engenhosa argumentação. Segundo o mesmo, a combustão e o enferrujamento são processos iguais em tempos diferentes, quando a madeira queimava o flogístico escapava em uma velocidade que aquecia o ar que o transportava e tornava-se invisível. (Strathern 2002:138);
  • Defensores da teoria de Stahl apresentavam dois tipos de flogístico. O primeiro era encontrado em substâncias como papel ou gordura e possuía peso. Já o segundo, encontrado em metais, possui peso negativo. Isso significava que, quando se ligava ao metal, na realidade o elevava, fazendo-o pesar menos. Ao contrário do que se esperava, Stahl não ficou perturbado com a anomalia do peso que parecia refutar a existência do flogístico. (Strathern 2002:138-139);
  • “Stahl tendia a explicar o flogístico como um princípio imaterial, como o calor. Ele simplesmente fluía de uma substância para outra (transportado pelo ar circundante). Caso em que questões de peso eram irrelevantes”. Essa atitude fazia parte das ideias religiosas de Stahl, que se opunha ao ateísmo e ao materialismo. Parte de sua ideia era descobrir como o espírito interagia com a matéria. (Strathern 2002:139);
  • “A despeito de todas as objeções, a teoria do flogístico logo foi aceita por muitos químicos progressistas. Muito simplesmente, ela explicava demais para ser abandonada”. Em sua concepção o flogístico explicava muito mais do que a combustão, ele acreditava que existia um “ciclo de flogístico” na natureza e chegou a citar dados experimentais em apoio a essa ideia. (Strathern 2002:139);
  • A teoria do flogisto nesse momento era aceita por muitos químicos da Europa, uma vez que o flogístico não fora isolado e sua presença não foi efemeramente detectada em algum experimento. Mesmo que os químicos focavam-se apenas em sólidos e líquidos, deixando o estado da matéria denominado  “gás” em grande parte ignorado. (Strathern 2002:140);
  • O inglês Henry Cavendish foi pioneiro em trabalhar os gases. Por ter ficado intrigado pelo gás que era produzido quando ácidos reagem com metais. Tal gás que foi isolado anteriormente por Boyle e Priestley, mas Cavendish foi o primeiro a investigar suas propriedades de uma maneira científica abrangente, sua descoberta foi associada ao seu nome. Observou que uma chama introduzida em uma mistura de gases com o ar, o gás pegava fogo, denominando-o assim de “ar inflamável”. (Strathern 2002:142);
  • Porém Priestley já havia percebido esse “ar inflamável”, assim, juntando ambos os estudos Cavendish produziu quantidades maiores de umidade e descobriu que se tratava de água. Isso significa que a água era uma combinação do ar normal e o ar inflamável. Não podia mais ser vista como um elemento, levando assim ao fim da teoria aristotélica dos quatro elementos. (Strathern 2002:142);
  •  A ciência estava se desenvolvendo e frequentemente impulsionava na mesma direção os que com ela trabalhavam. Isso levou à compreensão de que a descoberta científica é em certa medida predeterminada. (Strathern 2002:142);
  • Cavendish fez então uma série de descobertas importantes relacionadas à composição dos gases e experimentos elétricos à frente de seu tempo, estabelecendo a si os mais elevados padrões de qualidade, recusando-se a publicar qualquer trabalho sem que continuasse a intrigá-lo. Após 79 anos de saudável solidão, Cavendish adoeceu e seu estado se deteriorou rapidamente. Perseverou em sua maneira de viver até o fim. (Strathern 2002:143);
  • Priestley nasceu apenas dois anos depois que Cavendish, em 1733, porém eram opostos, Priestley importava-se com a humanidade como Newton antes dele, considerava seu trabalho religioso mais importante que o científico. Seus experimentos mudaram o curso da química mesmo praticando no início a ciência como um hobby, e sua compaixão por seus semelhantes fez a nação sublevar-se. (Strathern 2002:145);
  • Priestley começou a levar a ciência a sério quando teve contato com Benjamin Franklin, outro excelente cientista com fortes convicções religiosas, e foi seu exemplo que convenceu Priestley a considerar sua ciência como algo de grande responsabilidade. (Strathern 2002:145);
  • Para obter mais conhecimento sobre o “ar fixo” (dióxido de carbono), Priestley observou suas propriedades e desenvolveu experimentos. “Para obter uma amostra mais pura de “ar fixo”, Priestley recorreu ao método  [consolidado] de acrescentar greda a um balão de ácido sulfúrico. Permitiu ao gás escapar do balão efervescente hermético através de um tubo que dava voltas sob a superfície de um recipiente com água e subir para um vaso emborcado cheio de água, de modo que o gás penetrava borbulhando dentro do vaso, deslocando a água. Aqui Priestley notou mais uma característica do “ar fixo”. (Strathern 2002:145);
  • Priestley então passou a seguir uma sugestão de Cavendish e coletou seus gases sobre mercúrio em vez de água. Permitindo a descoberta, e investigação de vários novos gases que anteriormente não eram coletáveis porque se dissolvem em água. Isolando os gases que conhecemos hoje como óxido de nitrogênio, amoníaco, cloreto de hidrogênio e dióxido de enxofre. (Strathern 2002:145);
  • Em 1774, Priestley teve a sua mais importante descoberta. Em um dos seus experimentos de aquecer mercúrio em um balão, com o calor concentrado através de uma lente de aumento de diâmetro ajustado. Descobrindo um gás, Priestley constatou que parecia ser um “ar superior”. Ele tentou provar esse ar: ““A sensação que provocou em meus pulmões não foi sensivelmente diferente da provocada por ar comum; mas tive a impressão de sentir meu peito peculiarmente leve e aberto por algum tempo depois.”. A consequência, previu que esse gás poderia ser um futuro vício elegante entre os ricos ociosos. (Strathern 2002:146);
  • Priestley apresentou a química da droga que acabara de descobrir em termos da teoria do flogístico, em que acreditava firmemente. O fato de os objetos se queimarem tão facilmente na presença dela significava que libertavam rapidamente seu flogístico. A explicação parecia clara: o novo gás era uma forma de ar desprovida de flogístico, por essa razão, Priestley chamou-o de “ar deflogisticado”. (Strathern 2002:146)
  •  Priestley transmitiu sua descoberta do “ar desflogisticado” para o maior químico da época, Antoine Lavoisier, isso teve grande efeito sobre a história da química. Essa é a razão pela qual se atribui tão frequentemente a descoberta do oxigênio a Priestley, embora sabe-se que Scheele realizou os experimentos referentes a isso anos antes. Porém, a descoberta coube a Priestley realmente por transmitir ao domínio científico. (Strathern 2002:146)
  • Ao embarcar para os Estados Unidos, Priestley continuava convencido de que o flogístico explicava o problema da combustão. Outros já haviam começado a questionar isso. (Strathern 2002:147)

Capítulo 10 – O mistério decifrado (p.148 – 158)

  • Lavoisier foi de extrema importância para estudos químicos relacionados ao “ar desflogisticado”, tendo captado uma vasta significação para tal ar já que possuía além de experimentos, uma compreensão teórica superior à química, contribuindo para a descoberta de novos padrões de substâncias e estruturas. “ A química estava madura agora para uma mente científica suprema” (Strathern 2002:148);
  • Ficando conhecido como Newton da química, Lavoisier estabeleceu a química moderna, entre outros trabalhos, contribuindo com a tecnologia em diversos campos. Foi apelidado como “o espírito da contabilidade elevado à genialidade” por Charles C. Gillespie. “O homem que fez tudo não foi nada. Foi simplesmente Lavoisier” (Strathern 2002:148);
  • Eleito com 23 anos para a Académie des Sciences, ingressando, com um posto de administrador,  logo em seguida numa das agências mais opressivas da época, que arrecadava altos impostos governamentais com base em comissão, a Ferme Générale. Sua desculpa é que precisava de dinheiro para manter suas pesquisas científicas (Strathern 2002:148);
  • casou-se aos 29 anos com Anne-Marie, filha de um sócio majoritário da Ferme. Foi um casamento que  os realizou a ambos, pois ela com seu inglês colaborou para informar ao marido sobre os últimos artigos de química da Royal Society, entre outras colaborações importantes que possibilitaram levar adiante suas pesquisas a serem bem sucedidas. (Strathern 2002:148);
  •  Como administrador e sócio majoritário, Lavoisier montou seu laboratório esplendidamente equipado em Paris e ali consolidou a química como uma ciência civilizada. (Strathern 2002:149);
  •  Desde o início, Antoine adotou uma abordagem moderna da química, sintetizada por sua fé na balança, já que toda mudança poderia ser explicada e medida. Contudo, a química parecia estar sendo prejudicada por teorias tradicionais que não explicavam coisa alguma e impedia avanços consideráveis. (Strathern 2002:149);
  • Em 1770 realizou testes para submeter certa transformação da água em terra para condições científicas, “ usou um recipiente hermético em que a água podia ser fervida. Dentro dele, o vapor de água entrava num tubo onde era condensado, depois a água condensada retornava ao ponto de partida, de modo que nada era perdido no processo. Antes de iniciar o experimento, Lavoisier pesou separadamente a água e o recipiente. A água foi então fervida no recipiente hermético por nada menos que 101 dias. Como antes, um sedimento apareceu no momento esperado.” Tudo isso para provar que a teoria dos quatro elementos fracassou; (Strathern 2002:152);
  • O experimento de aquecer o chumbo de Lavoisier, para a combustão, comprovou que quando um metal se transforma em ferrugem, o metal se combinava com uma substância material dotada de peso e consistia em uma porção do ar. (Strathern 2002:152);
  • Foi nesse momento que Priestley chegou a Paris e demonstrou para Lavoisier o novo gás elementar que descobrira e chamaria de “ar deflogisticado”. Lavoisier considerava esse ministro inglês pouco mais que um amador, um sujeito bem intencionado, mas dificilmente um cientista de primeira linha. “Sem dúvida era um experimentalista de algum talento, mas carecia de toda compreensão teórica sólida da ciência”, Priestley podia ter topado com esse novo gás, mas não tinha nenhuma ideia da importância do que descobrira. Porém, Lavoisier compreendeu isso de imediato. (Strathern 2002:152);
  • Assim, Lavoisier repetiu o experimento que obteve o “ar desflogisticado” que estava presente em todo o ar. Seguindo para o experimento com uma vela, o fazendo refletir sobre a existência de dois gases na proporção de um quatro do experimento, na combustão era basicamente o contrário do que a teoria do flogisto apresentava, pois quando uma coisa queimava não liberava qualquer flogisto mítico, e sim se combinava com o ar chamado “desflogisticado”. Antoine batizou esse novo elemento como oxigênio, “do grego oxy, que significa ‘ácido’, e -gen, ‘gerador ou produtor’ “. (Strathern 2002:153);
  • Com a teoria do flogisto acabada, Lavoisier publicou um artigo descrevendo o oxigênio no processo de combustão, omitindo a contribuição de Priestley na descoberta. (Strathern 2002:153);
  • Para comemorar a “descoberta” do oxigênio, Madame Lavoisier (Anne-Marie) fez uma “cerimônia racional-científica”. Ela vestiu-se com uma túnica das antigas sacerdotisas gregas e queimou cerimonialmente as obras de Becher (o pai original da teoria do flogístico) e Stahl em um altar na frente de “um bando de luminares científicos” (Strathern 2002:153);
  • Mesmo assim, não foi aceito completamente. Com a Revolução Industrial, a ciência havia emergido como um fenômeno social e entrado em rivalidades nacionalistas. “Para os alemães, a teoria do flogístico era obra de seu grande químico Stahl. Que sabem os franceses sobre ciência? Lavoisier não podia estar certo. Enquanto isso, os ingleses se mantiveram tão distantes quanto sempre dessa rixa continental: tanto Priestley quanto Cavendish se aferram obstinadamente à teoria do flogístico que seu trabalho tanto fez para confirmar.” (Strathern 2002:153);
  • Por extrema semelhança, a combustão e o enferrujamento notada por Stahl, Lavoisier precisou desenvolver diversos experimentos que demonstraram que a respiração era também um processo similar. O ar inalado continha uma proporção maior de oxigênio do que o ar exalado/ ar fixo. (Strathern 2002:154);
  • Além de apontar o futuro da química, Lavoisier teria decifrado um grande enigma da combustão. Combustão era oxidação, a adição de oxigênio que ao enferrujar formava ferrugem, e na respiração formava “ar fixo” – dióxido de carbono. (Strathern 2002:154);
  • A química estava aprendendo a admitir o que desconhecia, ganhando assim uma compreensão mais profunda do que, precisamente, sabia. Sendo considerado um avanço revolucionário no método científico. Anteriormente os elementos haviam sido definidos teoricamente.Agora conservava-se uma definição, através de análises. (Strathern 2002:156);
  • Lavoisier contribuiu positivamente para tais descobertas e seus experimentos possibilitaram a exploração de novos elementos, porém ele não foi responsável individualmente por nenhuma grande descoberta. “Sua contribuição foi uma abordagem revolucionária que estabeleceu a química de uma vez por todas como um corpo de conhecimento científico sobre o mundo real”. (Strathern 2002:157);

STRATHERN, Paul. 2002. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.