Category Archives: 47 – Ag – Prata

Elements songs

Em 1959, Tom Lehrer decidiu cantar o nome de todos os 101 elementos químicos conhecidos até então, sobre a melodia da música “I Am The Very Model Of A Modern Major-General (The Major-Generals Song)”, da “opera buffa” The Pirates of Penzance, composta por Sir Arthur Sullivan em 1879. Segue abaixo a gravação original de Lehrer, seguida de uma apresentação mais recente da música original de Sullivan:

The element song (Tom Lehrer 1959)

There’s antimony, arsenic, aluminum, selenium,

And hydrogen and oxygen and nitrogen and rhenium,

And nickel, neodymium, neptunium, germanium,

And iron, americium, ruthenium, uranium,

Europium, zirconium, lutetium, vanadium,

And lanthanum and osmium and astatine and radium,

And gold and protactinium and indium and gallium, (gasp)

And iodine and thorium and thulium and thallium.

There’s yttrium, ytterbium, actinium, rubidium,

And boron, gadolinium, niobium, iridium,

And strontium and silicon and silver and samarium,

And bismuth, bromine, lithium, beryllium, and barium.

There’s holmium and helium and hafnium and erbium,

And phosphorus and francium and fluorine and terbium,

And manganese and mercury, molybdenum, magnesium,

Dysprosium and scandium and cerium and cesium.

And lead, praseodymium and platinum, plutonium,

Palladium, promethium, potassium, polonium,

And tantalum, technetium, titanium, tellurium, (gasp)

And cadmium and calcium and chromium and curium.

There’s sulfur, californium and fermium, berkelium,

And also mendelevium, einsteinium, nobelium,

And argon, krypton, neon, radon, xenon, zinc and rhodium,

And chlorine, carbon, cobalt, copper, tungsten, tin and sodium.

These are the only ones of which the news has come to Harvard,

And there may be many others but they haven’t been discovered.

I am the very model of a modern major-general

Gilbert and Sullivan’s raucous operatic tale is captured in all its fun and glory in this production, recorded live at Central Park’s Delacorte Theater.

Como complemento, segue abaixo uma gravação de Lehrer cantando a música em uma apresentação em Copenhagen (Dinamarca), em 1967:

Tom Lehrer – The elements (Copenhagen 1967)

The melody to The Elements is I Am The Very Model Of A Modern Major-General (The Major-Generals Song) from the opera buffa The Pirates of Penzance. It was composed by Sir Arthur Sullivan, and it was first premiered in New York on December 31st 1879. The original libretto for the opera was written by Sir William Schwenck Gilbert. Recording date: September 5th 1967 Location: Falkonercenteret, Copenhagen, Denmark Format: Most probably Ampex Quadruplex PAL 4:3 Status: A rare recording indeed Storage: Most probably Sony Digital Betacam and in a digital format Production and preservation: Danmarks Radio (DR) in Denmark More HERE:

Apresento a versão abaixo pela qualidade das imagens representando os elementos:

The Elements Song

spicytito15

Mais recentemente, Dennis Nowicki regravou a música de Lehrer, em andamento bem mais lento, e atualizando-a para os 118 elementos atualmente conhecidos:

Periodic Table of Elements Song – All 118 Elements

Satirist Tom Lehrer’s Elements song updated to the current 118 Elements. It’s a bit slower to help with easier memorization, and humbly performed by Dennis Nowicki.

There’s antimony, arsenic, aluminum, selenium,

and hydrogen, and oxygen, and nitrogen, and rhenium,

and nickel, neodymium, neptunium, germanium,

and iron, americium, ruthenium, uranium,

Europium, zirconium, lutecium, vanadium,

and lanthanum, and osmium, and astatine, and radium

and gold, protactinium, and indium, and gallium,

and iodine, and thorium, and thulium, and thallium.

There’s yttrium, ytterbium, actinium, rubidium

and boron, gadolinium, niobium, iridium,

and strontium, and silicon, and silver, and samarium,

and bismuth, bromine, lithium, beryllium, and barium.

There’s holmium, and helium, and hafnium, and erbium,

and phosphorus, and francium, and fluorine, and terbium,

and manganese, and mercury, molybdenum, magnesium,

dysprosium, and scandium, and cerium, and cesium,

and lead, praseodymium, and platinum, plutonium,

palladium, promethium, potassium, polonium,

and tantalum, technetium, titanium, tellurium,

and cadmium, and calcium, and chromium, and curium.

There’s sulfur, californium, and fermium, berkelium,

and also mendelevium, einsteinium, and nobelium,

and argon, krypton, neon, radon, xenon, zinc, and rhodium,

and chlorine, carbon, cobalt, copper, tungsten, tin, and sodium.

There’s seaborgium, meitnerium, nihonium, and bohrium,

and hassium, lawrencium, dubnium, livermorium,

tennessine, oganneson, copernicium, flerovium,

Rutherfordium, darmstadtium, roentgenium, moscovium.

118 elements, I think we’ve got these covered

But, who knows, there may still be more that are yet undiscovered.

Em 2013, o canal ASAP Science publicou uma nova música, dessa vez listando os elementos por ordem crescente de número atômico, sobre um acompanhamento de Can Can. Segue abaixo a versão original, e dois vídeos particularmente bem ilustrados (por Andy Tsang e Engineered Labs):

The New Periodic Table Song

AsapSCIENCE – Tema

2013

The Most Colorful (and Cute) Periodic Table (ASAPSCIENCE Song in 2021)

Andy Tsang

The Periodic Table Song with real elements

Engineered Labs

Encontrei no canal KLT uma música impressionante de mais de 47 minutos, na qual cada elemento se apresenta brevemente em forma de rap cantado:

Periodic Table of Elements Song

KLT

Também fiquei bem impressionado com esta música de David Newman, que lista todos os elementos em ordem crescente de número atômico:

These Are The Elements (Periodic Table Song, in order)

David Newman

2011

E por fim, seguem abaixo a versão original (gravada no disco Here Comes Science, de 2009) e uma versão acústica (gravada em 2010) da música “Meet the Elements”, da banda They Might Be Giants:

They Might Be Giants – Meet The Elements (oficial TMBG video)

TMBGkids

Meet The Elements (Acoustic Version) – They Might Be Giants 26 June 2010

astralbee

Prata e chumbo em Bachelard (2005 [1938])

Robinet escreve ainda em 1766: […] “Um líquido circula no interior do globo. Carrega partes terrestres, oleosas, sulfurosas, que transporta para as minas e as pedreiras a fim de alimentá-las e apressar-lhes o crescimento. Essas substâncias são de fato transformadas em mármore, chumbo, prata, como o alimento no estômago do animal torna-se a própria carne.” (Bachelard 2005:220)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Prata e ferro em Bachelard (2005 [1938])

Outro autor importante, cuja obra foi estudada por numerosos mestres de forja e que foi traduzida em 1751 do espanhol para o francês, lembra também ele a fecundidade das minas de ferro da Ilha de Elba e acrescenta que em Potosi extraem-se das Minas […] “pedras carregadas de Prata que se havia deixado aí alguns anos antes, porque antes elas não estavam carregadas. Tal fato acontece todos os dias e a abundância é tão contínua que só pode ser atribuída à ação do sêmen vegetativo da Prata. (Bachelard 2005:195-6)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Prata e mercúrio em Bachelard (2005 [1938])

Também muitos alquimistas devanearam diante da coagulação. Crosset de la Heaumerie escreve em 1722: […] “Não é mais difícil, para um Filósofo hermético, fixar o mercúrio, do que, para uma camponesa, coagular o leite a fim de fabricar queijo… Transformar o mercúrio em prata, por meio do sêmen da prata, é tão difícil quanto transformar o leite em queijo, por meio do coalho, que corresponde ao leite digerido.” (Bachelard 2005:80-1)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Prata e ouro em Bachelard (2005 [1938])

Como vai o alquimista purificar a matéria se não purificar primeiro a própria alma? Como o operário vai entrar a fundo, de acordo com o desejo das prescrições dos mestres, no ciclo da obra se se apresentar com o corpo impuro, a alma turva e o coração ganancioso? Não é raro encontrar nos escritos de alquimistas um discurso contra o ouro. O Filaletes [S. n. a. Histoire de la philosophie hermétique, avec le véritable Philalethe. Paris, 1742, 3 v., v.3, p.113.] escreve: “Desprezo e detesto com razão a idolatria pelo ouro e pelo dinheiro”. E (p. 115): “Tenho até aversão ao ouro, à prata e às pedras preciosas, não como criaturas de Deus — sob esse aspecto eu as respeito — mas porque serviam à idolatria dos israelitas, assim como à do resto do mundo.” (Bachelard 2005:62-3)

Espíritos mais próximos do pensamento científico aceitam essa estranha imagem do virar do avesso as substâncias e até a adotam como tema orientador. Boerhaave, ao relatar as idéias dos alquimistas, reflete sobre os símbolos do ouro (um círculo) e da prata (um crescente formado de dois arcos de círculo, um côncavo e um convexo). Afirma que o crescente denota “o que é semi-ouro: o que se tornará ouro perfeito sem mistura com nenhuma matéria heterogênea ou corrosiva, se for conseguido virar para fora o que está dentro”. Percebe-se, aliás, neste exemplo, que o pensamento pré-científico está muito ligado ao pensamento simbólico. Para ele, o símbolo é uma síntese ativa do pensamento com a experiência. Numa célebre carta filosófica impressa depois do Cosmopolite em 1723, lê-se: “Quem sabe reduzir as virtudes centrais do ouro à sua circunferência adquire as virtudes de todo o Universo numa única Medicina”. Como melhor expressar que uma virtude material é homóloga a uma força psicológica íntima? (Bachelard 2005:125)

Não há simpatia sem reciprocidade. J.-B. Robinet [J.-B. ROBINET. De la nature. 3. ed. Amsterdã, 1766, 4 v.] chega a escrever: “Talvez me acusem de preciosismo se eu aventurar que o ouro, a prata e… as pedras preciosas… podem gozar, em certa medida, da consideração que lhes dispensamos?” E ainda (p. 195): “Será que o ouro ignora completamente as honras de que goza?” Robinet compara também (v. 4, p. 190-1) o carbúnculo luminoso com o olho que vê a luz e conclui: “A faculdade de ser luminoso é, com certeza, algo mais perfeito do que a de ver a luz”. De fato, dar é mais difícil que receber, e, por isso, a ação do carbúnculo tem mais valor que a recepção do olho. Aqui se apresenta também o princípio básico do substancialismo, que é ao mesmo tempo um axioma da avareza: nullum potest dare quod non habet [Ninguém pode dar o que não tem]. Robinet prossegue: (a faculdade de ser luminoso) supõe “mais pureza na substância, mais homogeneidade nas partes, mais delicadeza na estrutura. A alma foi chamada de luz invisível, a luz foi chamada de alma visível”. Vê-se, portanto, que os valores do objeto e do sujeito podem inverter-se. E chega-se sempre à mesma conclusão: (essas pedras que lançam luz) “será que, a seu modo, não gozam do exercício de tal propriedade? Não terão uma espécie de consciência? Será que a exercem sem o mínimo sentimento de satisfação?” Se essas imagens forem invertidas e passadas do tom otimista ao tom pessimista, ter-se-á, junto com a intuição de Schopenhauer, uma metafísica que já não será considerada estúpida, como esse imenso otimismo de Robinet. Em vez do realismo da alegria de dar, será o realismo da vontade de guardar, um querer-viver e um querer-possuir inscritos como poder absorvente no cerne mesmo da matéria. Esse sentimento áspero é tido como profundo, porque é o sentimento que conduz o inconsciente. Quem for triste é filósofo. Ao inverso, as obras de Robinet são um desafio atual à leitura do epistemólogo mais corajoso. Mas o juízo que estamos fazendo sobre obras tão ridículas deixa de lado sua importância real e efetiva. Citamos a terceira edição de Robinet: foi um autor célebre e muito divulgado no século XVIII. (Bachelard 2005:176-177)

Ao explicar o mistério das lamparinas mortuárias perpétuas, lamparinas sempre acesas e que não se consomem, encontradas — dizem — em certos túmulos, em especial no de Túlia, filha de Cícero, Gosset “antecipa”: […] “Embora eu considere as pedras preciosas como matérias a serem elaboradas a fim de poder delas extrair uma substância luminosa perpétua; visto que elas tiram sua luz e seu brilho da cor dos metais, acredito que desses mesmos metais seja possível extrair também espíritos luminosos, sobretudo os que chamamos perfeitos, como o ouro e a prata.” […] Já que o ouro, incombustível, é, no entanto, capaz de ignição, por que seria impossível obter dele um licor que não se consumisse e fornecesse luz e brilho? Esse “óleo de ouro” que, na opinião de Gosset, logo será isolado, propiciará a lamparina eterna. As substancializações mais heterogêneas aqui convergem: a luz perpétua das pedras preciosas associa-se à inalterabilidade do ouro. Nada segura o realista que, sobre uma realidade, acumula perfeições. O valor é a qualidade oculta mais insidiosa. É a última a ser exorcizada porque é nela que o inconsciente fica ligado por mais tempo e com mais força. (Bachelard 2005:179-80)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Prata e Zinco em Bachelard (2005 [1938])

Um livro inteiro seria necessário para destrinchar a discussão entre os adeptos de Galvani e os de Volta, entre a eletricidade biológica e a eletricidade física. Mas, independentemente da escola a que pertençam, os experimentadores multiplicam as experiências fisiológicas. Este é o principal interesse. Reinhold estudou a ação sobre o gosto. Sobre o olfato, Cavallo (citado por Sue) “diz que, ao juntar um fio de prata — enfiado o mais profundo possível nas narinas — com um pedaço de zinco aplicado sobre a língua, sentiu um cheiro de podre”. O problema coloca-se, assim, mais do nariz à língua do que da prata ao zinco.

Reinhold cita muitas experiências sobre a visão: “Com a prata sobre o olho direito e o zinco sobre o olho esquerdo, vê-se um clarão muito forte”.

Às vezes, a experiência é formulada de modo incrível; mesmo assim, ela é repetida por muitos autores e variada em condições inacreditáveis. Bastam alguns exemplos: “Humboldt estabelece até… quatro maneiras de produzir essa luz (trata-se apenas da impressão luminosa). A mais notável é aquela que a faz ver com muita nitidez quando, depois de ter colocado sobre a língua um pedaço de zinco, ele introduziu profundamente no intestino reto um pedaço de prata. Fowler diz ter verificado em si mesmo e em outros, além do clarão, que era bem nítido, a contração da pupila; o que lhe parece provar o poder do fluido galvânico sobre a íris.” (Bachelard 2005:203-4)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Ferro, ouro e prata em Bachelard (2005 [1938])

Um dos motivos que torna o sal uma substância privilegiada é, sem dúvida, o fato de bastar uma pequena quantidade para conseguir grandes efeitos. Às vezes, o homo faber é um salsicheiro. Tira suas intuições da salgadeira. Pensa como salga. Um autor um tanto antigo, Blaise Vigénère [Blaise VIGÉNÈRE. Traicté du feu et du sei. Paris, 1622, p. 25.], assim escrevia em 1622: “Todos os humores do corpo animal, sangue, pituíta, urina e o resto são salgados; se assim não fosse, tudo apodreceria de uma hora para a outra”. Bernard Palissy faz a mesma observação sob forma bem mais geral e, é claro, sempre sem prova (Des seis divers, p. 203): “Se o sal fosse extraído das vigas, traves e caibros, tudo se esfacelaria. O mesmo vale para o ferro, o aço, o ouro, a prata e todos os metais”. Quando é atribuída uma força secreta a uma substância, é certo que a indução valorizante perde as estribeiras. Ao juntar todos esses exemplos em sua filiação inconsciente, vê-se como a conservação do toucinho pelo sal leva a inferir a conservação do ouro por um produto similar adequado. (Bachelard 2005:151-152)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Enxofre, prata e ouro em Bachelard (2005 [1938])

A respeito do ouro, Geoffroy [GEOFFROY. Traité de la Matière médicale ou de l’histoire des vertus, du choix et de l’usage des remèdes simples. Paris, v.1, p.54] escreve: […] “Outrora os gregos não conheciam o uso do Ouro na medicina. Os árabes foram os primeiros que o recomendaram; misturavam-no em suas composições, depois de reduzi-lo em folhas. Achavam que o Ouro fortifica o coração, reanima as mentes e alegra a alma; por isso, garantiam que é útil para a depressão, os tremores e as palpitações cardíacas.

Nos séculos mais materialistas, essa crença precisou ser sustentada por argumentos mais materiais. Assim, […] “os Químicos acrescentam ainda que o ouro contém um enxofre fixo mais forte; que, por ser incorruptível, se for ingerido e misturado ao sangue, preserva este de toda corrupção; restabelece e reanima a natureza humana do mesmo modo que o Sol, que é a fonte inesgotável desse enxofre e faz reviver toda a natureza.

Não se pode encontrar melhor exemplo de raciocínio por participação, que consegue fundir num mesmo valor o ouro, o sol e o sangue! Sem dúvida, Geoffroy hesita em aceitar tais convergências, mas mesmo essa hesitação é característica do espírito pré-científico. É essa hesitação que nos faz afirmar que o pensamento pré-científico encontra-se aqui diante de um obstáculo ainda não superado, mas em via de sê-lo. Essa hesitação demanda uma psicanálise. Nos séculos anteriores, aceita-se de olhos fechados. Nos seguintes, não aparecem mais elucubrações como essas. Mas aí está o fato: em pleno século XVIII, Geoffroy afirma seu respeito pela Escola Árabe; não tem coragem, como diz, de “exilar o ouro de todas as preparações cordiais”.

Exilar o ouro! Afirmar tranqüilamente que o ouro não dá saúde, que o ouro não dá coragem, que o ouro não estanca o fluxo de sangue, que o ouro não dissipa os fantasmas noturnos, as más lembranças do passado e da culpa, que o ouro não é a preciosidade ambivalente que defende o coração e a alma! Isso exige um verdadeiro heroísmo intelectual; exige um inconsciente psicanalisado, isto é, uma cultura científica bem separada de qualquer valorização inconsciente. O espírito pré-científico do século XVIII não conseguiu essa liberdade de julgamento.

Seria fácil mostrar mais exemplos dessas preciosas medicações tais como a Confecção Real de Alkermes de Charas, o Pó Panônico de Charas, a Confecção de Jacinto, o Pó de Alegria, o Pó de Pérolas refrescante. Veríamos que há uma matéria medicinal da riqueza em oposição à matéria medicinal dos simples. Entenderíamos a importância do conselho, tido como fundamental por certos boticários, de conservar os remédios preciosos em caixas de ouro ou de prata, de marfim ou de alabastro, ou a sugestão mais modesta de mandar pintar e dourar as caixas. Não era tanto pela conservação, mas para ficarem expostas, para que todos — vendedores e fregueses — percebessem o valor precioso do remédio.

Aliás, não seria difícil mostrar que o Pó de Pérolas refrescante tem maior atividade inconsciente na medida em que representa um sacrifício mais consciente. Sua valorização é ambígua e se efetua no limite do inconsciente com o consciente. O pó de pérolas é mais eficaz no burguês avarento do que no príncipe mão-aberta. É tal o apreço pelas pérolas e pelas pedras preciosas que já representa um mérito triturá-las no almofariz de ouro e dissolvê-las numa poção. Sacrifica-se um tal bem objetivo que é justo contar com um bem subjetivo. O valor da pedra preciosa para o inconsciente se transmuta em valor científico na avaliação do letrado. Tal confusão ainda é muito freqüente. Não se tem apreço por um remédio de baixo preço. Mas o inconsciente que sabe contar, que sabe estabelecer comparações, não é o inconsciente primitivo. O homem inconsciente, que sonha, com uma pérola na mão e um diamante no dedo, é uma alma mais pesada. Ao sacrificar sua jóia, é uma parte de sua substância pessoal, uma parte de seus sonhos mais caros, que ele oferece em holocausto. (Bachelard 2005:170-2)

BACHELARD, Gaston. 2005. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. (Trad.: Esteia dos Santos Abreu) Rio de Janeiro: Contraponto. [1938]

Gold, argon & silver in Latour (1987)

  • It is important to note that the use of this definition of instrument is a relative one. It depends on time. Thermometers were instruments and very important ones in the eighteenth century, so were Geiger counters between the First and Second World Wars. These devices provided crucial resources in papers of the time. But now they are only parts of larger set-ups and are only used so that a new visual proof can be displayed at the end. Since the definition is relative to the use made of the ‘window’ in a technical paper, it is also relative to the intensity and nature of the associated controversy. For instance, in the guinea pig ileum assay there is a box of electronic hardware with many readings that I will call ‘intermediate’ because they do not constitute the visual display eventually put to use in the article. It is unlikely that anyone will quibble about this because the calibration of electronic signals is now made through a black box produced industrially and sold by the thousand. It is a different matter with the huge tank built in an old gold mine in South Dakota at a cost of $600,000 (1964 dollars!) by Raymond Davis to detect solar neutrinos. In a sense the whole set-up may be considered as one instrument providing one final window in which astrophysicists can read the number of neutrinos emitted by the sun. In this case all the other readings are intermediate ones. If the controversy is fiercer, however, the set-up is broken down into several instruments, each providing a specific visual display which has to be independently evaluated. If the controversy heats up a bit we do not see neutrinos coming out of the sun. We see and hear a Geiger counter that clicks when Argon37 decays. In this case the Geiger counter, which gave only an intermediate reading when there was no dispute, becomes an instrument in its own right when the dispute is raging. (Latour 1987:68)
  • With a minimum of training we see peaks; we gather there is a base line, and we see a depression in relation to one coordinate that we understand to indicate the time. This is not endorphin yet. The same thing occurred when we paid a visit to Davis’s gold and neutrino mine in South Dakota. We saw, he said, neutrinos counted straight out of the huge tank capturing them from the sun. But what did we see? Splurges on paper representing clicks from a Geiger counter. Not neutrinos, yet.
    (Latour 1987:71)
  • The two ships had been provided, as scientific satellites are today, with all the available scientific instruments and skill; they were given better clocks to keep the time, and thus measure the longitude more accurately; they were given compasses to measure the latitude; astronomers had been enlisted to mend and tend the clocks and to man the instruments; botanists, mineralogists and naturalists were on board to gather specimens; artists had been recruited to sketch and paint pictures of those of the specimens that were too heavy or too fragile to survive the return trip; all the books and travel accounts that had been written on the Pacific had been stocked in the ship’s library to see how they compared with what the travellers would see; the two ships had been loaded with goods and bargaining chips in order to evaluate all over the world the relative prices of gold, silver, pelts, fish, stones, swords, anything that could be bought and sold at a profit, thus trying out possible commercial routes for French shipping. (Latour 1987:215-6)
  • To take up an earlier example, as long as the Portuguese carracks disappeared en route, no space beyond the Bojador Cape could be pictured. As soon as they started to reversibly come and go, an ever-increasing space was traced around Lisbon. And so was a new time: nothing before could easily discriminate one year from another in this quiet little city, at the other end of Europe; ‘nothing happened’ in it, as if time was frozen there. But when the carracks started to come back with their trophies, booty, gold and spices, indeed things ‘happened’ in Lisbon, transforming the little provincial city into the capital of an empire larger than the Roman Empire. The same construction of a new history was also felt all along the coasts of Africa, India and the Moluccas; nothing would be the same again now that a new cumulative network brought the spices to Lisbon instead of Cairo. The only way to limit this construction of a new space-time would be to interrupt the movement of the carracks, that is, to build another network with a different orientation. (Latour 1987:230)

LATOUR, Bruno. 1987. Science in action: how to follow scientists and engineers through society. Cambridge: Harvard University Press.

Prata e ouro em Lévi-Strauss (1989 [1962])

Ao mesmo tempo, descobre-se o sentido de certas particularidades rituais comuns a várias populações, a despeito do distanciamento geográfico e das diferenças de língua e de cultura. Um esboço de sistema aparece em escala continental. Enfim, para quem compara, a analogia entre as posições da Artemisia no Velho e no Novo Mundo abre um campo novo para a pesquisa e a reflexão, certamente não menos que o papel reservado à Solidago virga aurea (figura 2), isto é, um “ramo de ouro“, no Novo Mundo. (Lévi-Strauss 1989:65)

É indo para o sul que se pode observar sobretudo a inversão das relações entre espécies naturais e objetos ou produtos manufaturados. Os clãs dos devanga, casta de tecelões de Madras, têm nomes em que figuram poucas plantas e quase nenhum animal. Em contrapartida, encontram-se os seguintes nomes: leite coalhado, estábulo, moeda, represa, casa, colírio, faca, tesoura, barco, lâmpada, roupas, trajes femininos, corda para suspender vasos, arado velho, monastério, pira funerária, telha. Os kuruba, de Mysore, contam 67 clãs exógamos arrolados, com nomes de animais ou vegetais ou designados como segue: carro, taça de beber, prata, sílex, novelo de linha, bracelete, ouro, anel de ouro, picareta, bordado colorido da roupa, bastão, cobertura, medida, bigode, ofício de tecer, tubo de bambu, etc (Lévi-Strauss 1989:139)

De fato, o problema colocado pela Crítica da razão dialética pode ser reduzido a este: em que condições o mito da Revolução Francesa é possível? E estamos prontos para admitir que, a fim de que o homem contemporâneo possa desempenhar plenamente o papel de agente histórico, [ele] deve acreditar nesse mito[,] e que a análise de Sartre depreende admiravelmente o conjunto das condições formais indispensáveis para que esse resultado seja assegurado. Mas daí não decorre que esse sentido, por ser o mais rico (e portanto o mais apropriado para inspirar a ação prática), seja o mais verdadeiro. Aqui, a dialética se volta contra si mesma: essa verdade é de situação e se tomarmos nossas distâncias em relação a ela – tal como é o papel do homem de ciência – o que aparecia como verdade vivida começará, primeiro, por embaralhar-se e acabará por desaparecer. O homem dito de esquerda aferra-se ainda a um período da história contemporânea que lhe dispensava o privilégio de uma congruência entre os imperativos práticos e os esquemas de interpretação. Talvez essa idade de ouro da consciência histórica já esteja terminada; e que se possa pelo menos conceber essa eventualidade prova que se trata apenas de uma situação contingente, como o poderia ser a focagem fortuita de um instrumento ótico do qual a objetiva e o foco se movimentassem um em relação ao outro. Ainda estamos “em dia” com a Revolução Francesa; mas o estaríamos com a Fronda, se tivéssemos vivido antes. E, como já é o caso para a segunda, a primeira logo deixará de nos oferecer uma imagem coerente pela qual nossa ação possa ser modelada. O que de fato ensina a leitura de Retz é a impotência do pensamento para depreender um esquema de interpretação a partir de fatos longínquos. (Lévi-Strauss 1989:282-3)

LÉVI-STRAUSS, Claude. 1989. O pensamento selvagem (Trad.: Tânia Pellegrin) Campinas: Papirus. [1962]